Ligamento Cruzado Anterior

Ligamento Cruzado Anterior

Ligamento Cruzado Anterior

O joelho é uma das articulações mais complexas do corpo humano e, em razão da sua localização anatômica, é particularmente vulnerável aos traumas, principalmente nos esportes. O ligamento cruzado anterior (LCA) é o ligamento mais lesado do corpo humano, sendo a cirurgia de reconstrução frequentemente realizada. Segundo dados americanos, em 2003, foram gastos mais de dois bilhões de dólares nas cirurgias de reconstrução do LCA. Estudos recentes demonstram que a lesão pode atingir até a 3,5% da população no período de quatro anos. A maioria das lesões do LCA está relacionada à prática desportiva, principalmente aqueles esportes que exigem mudanças rápidas de direção associada ao contato corporal. São lesões mais frequentes na segunda e terceira década de vida e, apesar do aumento da incidência no sexo feminino, ainda predominam na população masculina. A lesão do LCA, antes quase que exclusiva da população masculina, vem acometendo também maior número de mulheres e crianças por causa da procura cada vez mais precoce pela prática de atividades físicas. Quando comparadas às taxas de lesão do LCA em atividades esportivas, em que participam homens e mulheres, a taxa de lesão no sexo feminino é significativamente mais alta, podendo chegar a até seis vezes em relação ao sexo masculino, dependendo do esporte praticado. Além da morbidade imediata e do alto custo, a lesão do LCA está associada ao risco aumentado de desenvolver osteoartrose prematura do joelho, evidenciada em 79% a 90% dos pacientes após sete anos da cirurgia de reconstrução.

ANATOMIA E BIOMECÂNICA

O ligamento cruzado anterior apresenta, em média, 38mm de comprimento e 11mm de largura. Origina-se na superfície póstero-medial do côndilo femoral lateral, inserindo-se na área intercondilar anterior da tíbia, medialmente à inserção do corno anterior do menisco lateral, em uma área deprimida e ântero-lateral à espinha tibial anterior. O local de inserção tibial é maior e mais firme que o local femoral. O ligamento é principalmente irrigado pela artéria genicular média, que perfura a cápsula posterior e ingressa na fossa intercondilar perto da inserção femoral. A junção osteoligamentar pouco contribui com a vascularização. Na última década, os estudos se aprofundaram na compreensão da anatomia do LCA e, verificaram a presença de duas bandas entrelaçadas, distintas desde a fase embrionária: a banda ântero-medial e a póstero-lateral. A banda ântero-medial é a mais longa e fica tensa quando o joelho está fletido enquanto que, a póstero-lateral é mais espessa, curta e tensiona-se em extensão. Em extensão, as bandas são orientadas verticalmente e paralelas entre si, enquanto em 90º de flexão do joelho, as bandas são orientadas horizontalmente e cruzadas. O LCA é um restritor primário do joelho, sendo responsável por mais de 80% da estabilização anterior da tíbia em relação ao fêmur. Secundariamente, o LCA atua na restrição da rotação tibial e, em menor proporção, no movimento varo-valgo durante a extensão do joelho. Os restritores secundários da translação tibial anterior, que contribuem com menos de 10%, são: o ligamento colateral medial, o trato iliotibial, o ligamento colateral lateral e as cápsulas medial e lateral, estando o LCA intacto. Além da função como limitador mecânico para translação, o LCA exerce função proprioceptiva, evidenciada pela presença de mecanoceptores, os quais podem proporcionar o arco aferente para mudanças posturais do joelho por meio de deformações na substância do ligamento. O estudo anatômico das inserções do LCA tem sido extremamente discutido na literatura mundial nos últimos anos. A manutenção da isometria, nas reconstruções com banda única, é muito importante, pois se trata de um componente fundamental para o sucesso do tratamento cirúrgico. Por isso muitos cirurgiões ortopédicos vêm preconizando e difundindo a reconstrução mais anatômica do LCA, reproduzindo as duas bandas, se aproximando mais da biomecânica original do joelho.

MECANISMO DE LESÃO

O mecanismo mais comum associado a lesão do LCA é abdução, flexão e rotação externa. Esse mecanismo resulta em uma força de abdução e flexão aplicada ao joelho, e o fêmur sofre rotação medial pelo desvio do peso do corpo sobre a tíbia fixada ao solo. Mais raramente pode ocorrer a lesão isolada do LCA ou com mínima lesão a outras estruturas de sustentação, sendo nestes casos descrito outro mecanismo de lesão: hiperextensão, rotação medial significativa da tíbia sobre o fêmur e pura desaceleração. A maioria das lesões do LCA ocorre sem contato físico (67% nos homens e 90% nas mulheres). O risco aumentado de lesão em atletas femininas permanece em estudo, porém, alguns fatores já podem ser considerados, entre eles: o alinhamento dos membros inferiores com valgo mais acentuado, o estreitamento da fossa intercondilar femoral e os fatores hormonais, incluindo a maior risco de lesão durante o estágio pré-ovulatório do ciclo menstrual.

DIAGNÓSTICO

A história clínica e o exame físico vão frequentemente permitir um diagnóstico preciso da lesão do LCA sem a necessidade de testes adicionais. Os pacientes referem, com clareza, o movimento do trauma. Os pontos fundamentais da história clínica, que sugerem a lesão do LCA, incluem um trauma isolado sem contato físico, um estalido audível ou perceptível no momento do trauma, o aparecimento do edema precocemente (hemartrose), resultado da ruptura da vascularização do LCA e a incapacidade de retornar à atividade. Como alívio e auxílio diagnóstico, pode ser indicada a punção articular do joelho, a saída de líquido hemático indica 78% de associação com lesão do LCA. O exame físico deve ser realizado nos dois joelhos, comparativamente. O exame começa com a observação da marcha, avaliar a presença de anormalidades no alinhamento do joelho, da rotação tíbia, além de déficit da musculatura. Para avaliação da integridade do LCA existem inúmeros testes, os testes mais utilizados são as manobras de Lachman, gaveta anterior e os testes provocativos da subluxação femorotibial. O teste da gaveta anterior é realizado com o paciente em decúbito dorsal horizontal, joelho fletido a 90º e flexão de 45º do quadril, o examinador apóia as mãos por trás do joelho e tenta anteriorizar a tíbia. O teste de Lachman é o mais sensível para avaliar o deslocamento tibial anterior e, portanto a integridade do LCA. Deve ser realizada pressão anterior à tíbia proximal enquanto o joelho é mantido em uma flexão aproximada de 30º, e a outra mão estabiliza o fêmur; a quantidade do deslocamento anterior e o end point deve ser comparado ao joelho contralateral. O teste do Pivot Shift foi descrito originalmente com o joelho em extensão, quando se realiza força em valgo e rotação medial da perna. A flexão é iniciada e, em torno de 30º a 50º ocorre a redução da subluxação. Este teste apresenta diversas variantes, todas realizadas com o objetivo de reproduzir clinicamente a subluxação ântero-lateral da tíbia sobre o fêmur. Em uma recente metanálise publicada, o teste de Lachman para LCA apresentou uma sensibilidade de 85% e especificidade de 94%, por outro lado a especificidade do teste do pivot shift foi muito elevada (98%) e a sensibilidade muito inferior (24%). A ruptura isolada do LCA ocorre em menos de 10% dos casos e a avaliação para pesquisa de lesões associadas deve ser realizada. As lesões meniscais podem ser encontradas em 60 a 75% dos casos; em 46% o comprometimento da cartilagem articular pode ser evidente; lesões ósseas subcondrais (“bone bruises”) presentes em até 80% e 5 a 24% dos casos podem apresentar lesão completa do ligamento colateral (medial ou lateral). A ressonância magnética é frequentemente utilizada para confirmar o diagnóstico da lesão do LCA. Porém, de acordo com alguns estudos americanos, nem sempre é um exame pré-operatório fundamental quando a história clínica e o exame físico deixam claro o diagnóstico. A sensibilidade e a especificidade do exame são respectivamente 86% e 95%, com 93% de acurácia para lesão do LCA. Nas imagens da ressonância magnética é possível visualizar sinais diretos e indiretos da lesão do LCA. Os sinais diretos (irregularidade do contorno do LCA, hipersinal difuso ou localizado em T2 e descontinuidade do ligamento) têm maior especificidade e sensibilidade que os sinais indiretos. Porém, na dúvida do diagnóstico da lesão do LCA, os sinais indiretos auxiliam; como a alteração da angulação do eixo do ligamento e do planalto tibial, a presença de contusões ósseas (no côndilo lateral do fêmur e na região posterior da tíbia), a verticalização do ligamento cruzado posterior e o deslocamento posterior do menisco lateral. Apesar de todos esses sinais serem indicativos de insuficiência aguda ou crônica do LCA, o melhor parâmetro é a horizontalização do ligamento.

TRATAMENTO

Com relação à escolha do tratamento, deve-se levar em consideração fatores relativos ao paciente, como sexo, idade, ocupação, nível de participação esportiva, lesões intra-articulares associadas, grau de frouxidão do joelho e expectativas para o futuro. O tratamento conservador associado a um rigoroso programa de reabilitação pode trazer um nível de função satisfatório àqueles pacientes que não desejam retomar qualquer tipo de atividade física. A idade há muito tempo deixou de ser fator decisivo na indicação, ou não, do tratamento cirúrgico da lesão do LCA. A tendência atual para as lesões do LCA é ser mais intervencionista, pois as reconstruções ligamentares têm apresentado excelentes resultados devido ao aperfeiçoamento no diagnóstico, na técnica cirúrgica e na reabilitação pós-operatória. Apesar da indicação cirúrgica, o tratamento agudo da lesão consiste em reduzir o edema do joelho através de repouso, uso de gelo, enfaixamento e elevação do membro; administrar antiinflamatórios não esteroidais; ganhar arco de movimento de pelo menos 90º, com força preservada do quadríceps e marcha normal. Portanto, um atraso de 2 a 4 semanas entre a lesão aguda e o tratamento cirúrgico é comum. O planejamento cirúrgico na reconstrução do LCA começa com a escolha do enxerto, os quais abrangem, em nosso meio, principalmente os auto-enxertos: o tendão patelar e o enxerto duplo dos tendões do semitendíneo e grácil. Essas são as duas principais opções do cirurgião frente a reconstrução primária do ligamento. Em relação aos enxertos alógenos acredita-se que podem falhar mais precocemente, porém, há poucos estudos e grande dificuldade de uso em nosso meio. O terço central do ligamento da patela apresenta forte fixação inicial e rápida integração osso-osso, permitindo uma reabilitação precoce e agressiva; no entanto, está mais associado à dor anterior do joelho, risco de ruptura do tendão patelar e de fratura. Nos últimos dez anos, os enxertos de tendão do semitendíneo e grácil duplos (STGD) vêm ganhando mais espaço nas discussões e passou a ser a primeira opção para muitos ortopedistas. Algumas vantagens podem ser citadas: menos complicações registradas, menor morbidade do sítio doador e possibilidade de tensionamento recíprocos das faixas do enxerto durante a flexo-extensão; porém, dentre as desvantagens estão a incorporação mais lenta do enxerto, possível afrouxamento mais precoce e enfraquecimento da musculatura dos isquiotibiais. Porém todos os estudos demonstram resultados muito similares entre ambos os enxertos autólogos comentados. A técnica tradicional para reconstrução artroscópica do LCA, popularizada no início de 1990, consistia na reprodução do ligamento de maneira mais verticalizada que na técnica atualmente preconizada, provavelmente devido a dificuldade de posicionamento da origem femoral através do guia pelo túnel tibial. Nesta situação, o feixe reconstruído permanecia numa posição póstero-lateral na tíbia e ântero-medial no fêmur, e durante a evolução permaneciam com a rotação tibial excessiva, confirmada pela presença do teste de pivot shift. Portanto, diante dos trabalhos que mostravam a falência da reconstrução não-anatômica do LCA, o foco passou a ser reproduzir as inserções no local nativo, seja através de uma única banda, reproduzindo a banda ântero-medial ou através da reconstrução anatômica das duas bandas. O túnel femoral passou a ser mais horizontalizado, realizado através do guia transtibial ou pelos portais da artroscopia (transportal). Em relação ao método de fixação, existem muitos descritos e a escolha depende do cirurgião e do enxerto escolhido. Atualmente, os estudos da lesão do LCA estão voltados para os resultados a longo prazo da reconstrução com banda única ou dupla do LCA, ambas nas posições consideradas anatômicas. Até o presente momento sugere-se que não há diferença significante entre ambas as técnicas, porém há melhores resultados objetivos da estabilidade rotacional, avaliados com a manobra de pivot shift (negativo em 97% dos pacientes) e o teste com o artrômetro de joelho.

COMPLICAÇÕES

As complicações imediatas da cirurgia de reconstrução do LCA são incomuns, mas, podem incluir infecção, trombose venosa profunda e lesão do nervo safeno infrapatelar. A falha do enxerto foi notificada em 3,6% dos casos, independente do auto-enxerto escolhido. Segundo dados americanos, as cirurgias de revisão por falha na reconstrução ocorrem em aproximadamente 5% a 20% dos pacientes, anualmente, sendo a principal causa a falha de posicionamento dos túneis. Destes pacientes submetidos a revisão, 60% retornam ao esporte, porém com menor performance.

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